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 CONTO 

ESTRELA

*Vencedor do Prêmio Sesc de Contos 2016

ILUSTRAÇÃO: DANILO MIRANDA                                               

Flagrei três garotos a me observar.

Eles não tiravam os olhos de mim. 
Sacavam-me. 

Estariam eles curiosos em saber quem sou?

Não, isso não! 

ou talvez... 
Os seus olhares eram fuçadores.

Olhavam-me vorazmente como quem deseja perguntar algo que não se sabe bem o que se é.

E esse desejo de desbravar os mantivera em silencio absoluto desde então.

Contemplando o desconhecido estático.

Em seguida, depois de muito relutar — duelo travado dentro de si —, 

o mim contra o eu mesmo fora quebrado. 

Não obstante, venho até mim, então, o primeiro garoto molhado.

Magrela, medroso.

Olhava-me meio jeitoso, meio de lado: meio à meio.

Nunca por completo. 

Nunca de frente.

Não tinha nunca antes me visto — temido —, e não sabia o que poderia eu fazer

O garoto olhou-me rápido, eu não o interessava. 

Algo lá, aos arredores, o instigava. 

Algo que não era eu.

Então, visto a coisa que antes contemplava distante, mas que agora se punha ao seu lado — ao nosso lado.

Não pestanejou. O garoto logo me perguntou:


— O que é isto?

 

Saquei.

Vi o que o instigava.

De fato, estava certo desde o inicio. Não era eu. Nunca fora.

Nisso, vendo o seu interesse, olhei-o de frente, e sorri. 

Sorri apenas; em seguida disse calmo, sem surpresa:

— Isso é uma estrela!


Ele a olhou. Tocou. E logo retrucou:


— Ela tá morta?, questionou.

E eu lhe respondi logo em seguida, nem pensei muito.

Tratava-se do óbvio. Da mais prática condição.

Ela se apresentara para nos já despida de alma, nua de si.

Aos prantos. 

 

— Sim! Ela tá quebrada.

 

Indiferente, o garoto olhou-a uma ultima vez.

Em seguida, correu e lançou-se ao mar: moleque que era.

Como aquele moleque que um dia eu fui...

Fora eu.
Guri.

 

[respingou água pela areia toda. Molhei-me todo]
 

Visto ao longe o feito de seu cúmplice, venho a mim,  perspicaz, o segundo garoto.
 

— O que é isso?, disse ele curioso 

 

Ele era menino marrento. Meio teimoso.

Daqueles que dá vontade de dá uns cascudo pra ver se toma jeito. 
Sem pensar muito, já incomodado, logo lhe respondi em tom alto:

 

— É uma estrela!

 

Ele olhou-a, tocou e a jogou no terceiro garoto.
Saiu correndo em passos desordenados, e deu um grande mergulho. 
Resultado: Molhei todo de novo.

 

Passado alguns instantes, aproxima-se o ultimo curioso.
Veio a mim, carregando o objeto desconhecido na mão. 

Portando-o meio medroso. 

Assim surgiu o terceiro garoto.

Logo me perguntou meio assustado, menino tímido.

Lembrei-me até de um de meus amigos de infância.

Ele receava tudo. 

Tudo lhe era assombroso.

Tinha medo até de falar. 

 

Esse terceiro menino, meio cabisbaixo, falou calmo, baixo...

Falou pra dentro. Quase não  se podia ouvi-lo. E nem precisava. 

Prontamente, já sabia do que se tratara.

E antes mesmo de ser questionado, fui logo respondendo:
 

- É uma estrela!, disse-lhe, já esperando ser molhado pelo moleque levado.
 

Ele então tocou mais uma vez a estrela. Parecia estar intrigado. Então, em uma tentativa de compreender o ocorrido. Na tentativa de ser fazer empático. O garoto virou-se para mim sorridente e indagou:
 

- E ela caiu lá de cima?
 

         

Nesse momento eu parei.

Foi de súbito.
Pensei em tudo o que vivi quando criança.

Em tudo o que me foi dito.

Feito.

O que em mim, ficou contido: infância vasta que tive. 

Eu sorri. Sorri pra fora. Sem medo. 

E foi ai que dei a minha pior resposta.

Poderia ter dito que sim.

 "sim, claro. Ela caiu hoje mais cedo.

É que o céu estava meio cheio de sonhos hoje mais cedo",  diria. 

Poderia ter lhe contada a mais cabeluda estória.

Poderia. Deveria até... mas não o fiz.

Olhei-o nos olhos. E de novo sorri, mas respondi à seco: 
 

 - É uma estrela do Mar (grosso!)
 

Decepcionante? Talvez...
Ele fitou-a por uma ultima vez, como quem se despede. 
Seguiu até a água e a largou para que pudesse ir embora, livre para partir praia adentro.

Afundada para bem fundo do mar molhado. Salgado até. 
Depois, sem nada temer, o garoto saltou e me molhou todo.

 

Eram três garotos molhados curiosos...
Parei. 

Fitei.

Me vi ali.

Um quarto medroso.
Dos tempos de menino desbravador de mares...
Depois disso, a maré encheu e fomos todos embora.
Nada mais poderia ser dito.

Tudo fora embora com a maré alta.
Tudo mesmo: 

 

a estória não contada;

a infância dos garotos fora roubada.
Até a
estrela quebrada se foi.

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