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 CRÔNICA 

QUANDO EM DÚVIDA,

 Teste rápido! 

 — Foi rápido?

Duas horas de agonia, talvez...

As vezes acho que tanto faz...

(não diz isso, menino!)

Ao chegar, os olhares são fuçadores.

Julgamentos percorrem as adjacências do Hospital São José, referência em infectologias. Dar até para ouvir o “será que ele tem?” ecoando pelos

corredores...

Na recepção, perguntas indiscretas.

Detalhes minuciosos de fodas intimas são pré-solicitados antes de se adquirir um passe para entrar no recinto: uma pulseira adesiva branca dessas de "controle de festa", com uma simétrica linha fina verde ao centro — seria essa a linha da esperança?

RG à mão.

Adentro no pesadelo: teste de HIV, e outras “armas biológicas” rsrsrs

No consultório, silêncios:

Você tem que dizer tudo...

Você tem que dizer tanto...

 

Encaminha

do.

 

Na coleta, sorrisos.

Senhoras simpáticas preparam o meu braço esquerdo para o furo descobridor.

Estático.

Frio na barriga que dá.

Dor insignificante.

Será?

Colhido.

O abismo da espera agora me devora por inteiro — estou, realmente, preso entre.

São quase duas horas. Cento e vinte minutos que me seguram até o retorno ao consultório do jovem, e recente pai, medico apático.

Devo-lhe ensinar sobre empatia?

Talvez... isso já não se aprende mais na academia.

Atento para o jardim do São José: verde e vazio.

Tem uns jambos caídos que tingem de roxo-sangue o cimento batido do chão entre os corredores. Sol brando, até o vento corre desnorteado nesse sábado de maio.

Sento-me em um grupo de quatro cadeiras metálicas em plástico acinzentados. Quem dera estar acompanhado agora. Só, em meu coletivo de cadeiras, escuto uma senhora, talvez esperando por alguém, “evangelizando” dois garotos que ocupam as cadeiras mais à frente. Não se sabe quais exames esperavam. Diferente do que pensam, o São José não é apenas um hospital para “aidéticos”. Baixo, ouço a mulher indagar:

“quem vai mudar e aceitar”  

Estava a compartilhar as suas tristezas com os dois garotos tão atentos. Talvez isso (confissões) os distraiam. Enquanto eu, discretamente, finjo não ouvir. Nego-lhe a permissibilidade para que não venha vomitar as suas crenças e julgamentos em mim. Afinal, Deus é amor. Fui falho. Ela me notou. Percebi pela alteração na voz. Agora mais audível: ela falava também para mim. Reluto, mas escuto de longe sua angustia: filho com anemia forte e “outras coisas que vocês já sabem... Deus conhece tudo”, ela completa. Dos depoimentos gratuitos, me chama atenção a parte que diz aconselhar seu filho a ficar na frente do espelho e indagar por sua existência: quem sou? O que sou?

foram as perguntas "nortes".

Depois, completa dizendo que ele se vestia de “roupa de menina”, mas agora aceitou Jesus pela segunda vez. Está a salvo.  

Confesso que isso doeu em mim. Mas sorri e agradeci as suas palavras de aceitação — sim ela me aceita — e afeto. Encerrei com um 'amém' e voltei a escrever eufemismos...

As horas seguem e eu espero pacientemente. Não há mais nada a ser feito. Devo esperar a dúvida ser tirada.

Métodos científicos e comprovações humanas.
Não obstante, desculpa estragar a surpresa — curiosidade alheia —, mas é que “os resultados só serão entregues ao paciente”, diz aqui no flanelógrafo.

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